Monday, November 27, 2006

incipiente e herético (agravantes do erótico)


O homem é o animal herético.

Qualquer causa supostamente primeira só pode ser incompreensível.

O sentido de humor de um iconoclasta verdadeiro é primário porque despido de imagens.
Se não existirem leis, fórmulas ou teorias que expliquem o universo talvez estejamos em melhores lençois que o suposto.

Há na natureza imensas coisas contra-natura.

As paixões humanas excitam a falta de finalidade da natureza.

O onanismo é a primeiro principio do divino, seja nosso ou de algum deus- il n’y a pas de jouissance sans les plaisirs de soi.

O excesso optimiza, mas também desgasta.

A dissimetria proporciona a felicidade, apesar de alguma insatisfação de fundo.

A consolação pode ser uma agravante do sofrimento.

O ser humano forma-se na escola das deformações: são os sentimentos incipientes que singularizam o que na criatura será soberano.

A luxuriante auto-hipnose (mesmerismo dos mexericos)


Deus é uma plateia que se ri (ou chora) desesperadamente de si mesma.

Serão os meus sentidos casrrascos? De quem?

Ainda não consegui ser vítima dos meus sentidos, mas gosto de pôr as minhas garras sensoriais sobre os outros.

O homem voluptuoso tem dificuldade em não ser feliz.

Gosto de recordar os antigos prazeres misturados com qualquer coisa mais, como num revuelto de huevos.

Deus pode sempre ser substituído, com vantagens e desvantagens, por qualquer coisa ou por um ateísmo mediocre, mas o seu fantasma, gentil para uns e ignóbil para outros, persiste, como uma espécie de encadernação de luxo.

Tenho amigos amáveis a quem gosto de retribuir, mas não lhes prostituo a minha gratidão.

A dúvida é um aperitivo para a consolação que determinadas incertezas dão.

Os mortos acabarão por se vingar do historiador depois de morto.

São as versões mais suspeitas e deformadas da história que nos interrogam com divinas manápulas.

Os maus feitios usam os homens para espremer pensamentos que se escondem nos fígados.

Tento antecipar aqueles cuja opinião diverge da minha.

Sou herege por diletantismo.

Os homens nasceram para meditar, mas o menos quietamente possível.

A existência ou inexistência de Deus é uma fatalidade das possibilidades de diversidade que a linguagem oferece. O que não implica, antes pelo contrário, que a gramática seja o instrumento priveligiado do seu suposto poder.

Confesso que não leio nem vejo determinadas coisas, tal como não vejo a necessidade de provar merda para elogiá-la ou denegri-la. Confio para isso no meu faro.

A luxúria pode e deve ser a mais generosa das paixões.

Quer o inferno quer o paraíso são estados de auto-hipnose galante.

A inexperiência faz-nos mais atentos e menos ousados.

Sei que tudo vou esquecer, por isso amo com mais respeito e apetência.

a virtude como moldura


É difícil libertar as amarras dos tolos que as veneram.

A leitura pode engordar a alma ou emagrecer o corpo.

O seu único crime consistia em festejar as opiniões que estava quase a ter.

A desconfiança funciona como uma atracção pouco erótica.

Antes de convidar os outros a trair-nos através de sinais exteriores de impaciência, devemos experimentar primeiro fazê-lo a sós connosco.

O abuso da graça refuta-a; o abuso do sublime, sabota-nos.

A perfeição é uma armadilha que quase sempre nos piora.

Os homens não se medem pela sua relevância histórica, nem por outra coisa do género – mas tornam-se cativantes quando são capazes de nos fazer vibrar com vuluptuosos afectos.

A humanidade só presta serviços a prestações.

A hipótese de uma excelência crítica só faz sentido como um environment de escaramuças teóricas – o aparato crítico é meramente interessante como paisagismo da recepção, e um bom crítico é somente o que destila uma boa prosa que possa excitar vontades, e nunca um papagueador que redobra com conceitos de algibeira opacas aparências.

A guerra é um crime que serve frequentemente para desviar atenções indesejáveis. A justiça serve-a com a hipocrisia a que nos habitua sempre. Afinal nunca haverá justiça?

Pensamentos sem sensações não são admiráveis, e sensações despidas de pensamentos vão-se como os ventos.

O mal é a incompotência em encontrar oportunidades.

Que os deuses tornem propicios os venenos que se escondem nas amizades.

O preconceito é um somatório de razões que finge que não é escravo de meia dúzia de opiniões.




A arte deveria curar em vez de distraír.

A natureza é uma doença esporádicamente saudável.

É dificil distinguir a liberdade alheia das nossas variações disciplinares.

A dignidade prejudica muitas necessidades.

Não nos rendemos às verdades mais evidentes porque desconfiamos quer das evidências quer do que lhe possa estar subjacente.

A verdade é algo mais vicioso do que contemplável.

Não podemos curar os nossos males com pensamentos alheios – por isso temos que forjar farmácias logológicas antes que seja tarde demais.

A minha guerrilha é dizer algo como se pensasse muitas outras coisas.

A natureza é raramente tolerante. Nós fazemos dessa excepção uma etiqueta civilizacional. Mas será que é mais do que uma etiqueta?

Sentimos uma empatia por aquerles que têm um certo embaraço em formular perguntas... porque estas são estranhas.

O mundo é uma intriga que não se consegue cronometrar.

Inventanos causas para poder sentir as trepidações do acaso.

Não sei se concordo com o que digo, mas é provável que o mantenha com unhas e dentes até à morte.

Todos desempenhamos um grande papel, mas a comédia cósmica é mediocre.

Por mais que nos imaginemos culpados (ou alguém de outro) estamos condenados a uma aborrecida inocência.

Um segredo mantem-se dizendo-o como se se trratasse de uma mentira.

Só quando um determinado tipo de ousadia é que está na moda é que esta se torna um sucesso.

O repouso é uma variante inconsciente do tédio.

Será que os homens são culpados das consequências nefastas do bem que fizeram?

Será que a experiência dos outros não deforma a experimentação das nossas experiências?





As discussões prolongam-se pelo prazer de argumentar adversamente mais do que por questões significativas.

Se queres manter um diálogo comigo aceita as mutações de sentido que, tal como Sócrates, eu possa inflingir a vários termos.

Aliviamo-nos quer na tagarelice quer no silêncio.

Os voluptuosos aperfeiçoam-se na devassidão. Os interesseiros associam-se equivocadamente. Os homens ociosos engordam preocupações inuteis. Os poderosos têm aduladores como carraças. Os virtuosos emagrecem no aperfeiçoamento da solidão.

Podemos chamar belas a uma enorme quantidade de coisas, mas as que mais admiramos mantemos desajectivadas.

Emancipamo-nos através do ridiculo. Para isso cultivamos uma retórica desconcertante.
O mundo só será mundo no dia em que enforcamos quer a autoridade quer o que nos desautoriza.

Um ditador esperto não aprova nada.

Os filósofos sentem algum prazer em ser odiados por fanáticos.

Aqueles que dispõe assiduamente de servidores temem acima de tudo a solidão.

O que é a virtude? É a força de dispormos o máximo das nossas potênciais capacidades.

Um bom romance aguenta bem frases e palavras fora do lugar.

Os filósofos até podem ser dedicados amantes da sabedoria ou da verdade, mas dúvido que sejam bons amantes.

Defender a liberdade com astúcia tem servido mais a liberdade do que defendendo-a abertamente.

A amizade é uma promiscuidade entre almas que não se deve sujeitar a nenhum casamento.

As paixões liquidam com frequência solidariedades e convicções.

O prazer é mais forte se acabamos de nos ver livres do sofrimento.

O trabalho é emancipação para uns e escravatura para outros.

A verdadeira ciência faz com que não nos curvemos perante nada... a não ser por divertimento.

É da natureza a natureza corromper.

Os vivos são concorrentes. Os mortos respeitam-se refutados.

Gostamos de ler na história os crimes e as desgraças e aborrecemo-nos com a normalidade e a prosperidade.

Monday, November 13, 2006

vocabulario da imaturidade



É certo que falta aqui afinar algo à luz da teoria da Forma em Gombrowicsz.

imberbe
atrazado
marginal
nunca
abruptamente
desintegrado
descentrado
imaturo
inamovível
passível
internável
sondável
solitariedade
jamais
adiante
temporário
restaurante
inesquecível
tentador
adaptador
recalibra
ornamental
aproximativo
feed-back
afasta
aproxima
escapa
desconversa
finge
humedece
fragiliza
aguenta
arrisca
isola
alastra
por enquanto
recicla
contamina
transitório
multiplicante
des-alusivo
agregante
inconsistente
contrabandeante
desorganizado
incoerente
rápido
inactivo
heterógeneo
pulsional
fractal
involvível
frívolo
confluêncial
elástico
ligeiro
lixado
comichoso
circunstancial
entreaberto

a força táctita das imperfeições



Escreveu Edmund Burke:


Corre outra opinião parente muito chegada da primeira, isto é, que a perfeição é a causa constitutiva da beleza; e isto foi pensado para ir muito à frente dos objectos sensíveis. Mas, nestes, a perfeição considerada em si mesma está tão longe de ser a causa da beleza que, precisamente onde a beleza se encontra no mais alto grau, isto é, no sexo feminino, leva sempre consigo a ideia de fragilidade e de imperfeição. (...) Uma beleza aflita é a mais comovente: o rubor tem um poder pouco menor; e, em geral, a modéstia, que é uma confissão tácita de imperfeição, é considerada uma causa amável e certamente exalta as outras similares.


É òbvio que as defenições de Burke valem pela beleza da sua época - o rococó é a expansão desabrida de um vocabulário formal que se baseia na morfologia não apenas na beleza «superior e inquestionável da mulher», mas sobretudo na das suas partes genitais, expandidas como ornamento comichante (e a música da época, sobretudo a de Bach que tem o venerável peso do ascetismo luterano[oh de profundis!], também comicha e capricha no modo como se ornamenta na vibração dos trilos).


A outra artimanha da beleza é a sua «confissão tácita de imperfeição» a pretexto da assunção de uma inferioridade. Recordo-me das críticas de Schopenhauer às falsas modéstias - mas é menos o caracter supostamente mediocrizante da modéstia que o seu caracter dissimulante que fazem a sua força - porque tudo o que se revela de uma só vez gasta-se defenitivamente. A potência dissipa-se no acto e na visibilidade.
Uma confissão tácita torna a imperfeição forte, e a fraqueza, a «astenia» numa força temível, como o propôs de um certo modo S. Paulo, e de outro modo Nietszche. A fragilidade, a imperfeição, a ternura, etc. são pratos fortes de uma estética achinesada, porque, não sendo informes são ainda coisas tenras, não definitivas, e os chinocas gostam desse género de beleza (ah! o velho camarada Mao rodeado de virgens!). E o que se limita à sua defenição contenta-se com a morte, com a secagem, com o ressentimento, e com a rigídez.



Por isso o rocaille é uma arte húmida e lúbrica: o que do nosso ponto de vista é algo moralmente desejável, porque contribui para um acréscimo de forças e possibilidades. Precisamente o contrário da cruel beleza neo-clássica, virtuosamente exemplar, mas que é sobretudo uma estética de mausoléus do agrado de ditadores e tiranos, sejam revolucionários ou reaccionários. A arte neo-clássica é a que o estado burocrático adoptou. Não é difícil perceber porquê.

Sunday, November 12, 2006

o terror da elegancia


o florir do absoluto


Não considero a razão uma conquista, mas como uma fatalidade. A razão é o florir absoluto da natura nas nossas vidas e consciências.


O sublime não é o embrenhamento romantico em pulsões caóticas, mas um estado em que uma pulsão guerreira/erótica da natureza se acasala com as mais refinadas experiências civilizacionais incarnadas em criaturas fortes.


Venero a excelência na antiguidade porque é muito mais raro encontrá-la nas dissipassões das letras e artes do presente. A qualidade vem da disciplina e da persistência e não de uma adolescentilização ética.


Saboreio a ordem como uma desordem que se aproveitou para estabilizar, resistindo a uma desaparição precoce.


São meus modelos os antigos moralistas romanos e franceses. Agrada-me a retórica fria, assim como as máximas rápidas, mas também não resisto a um floreado malicioso.


O prazer é um bom motivo, mas o requinte é uma excelente vocação.