Monday, November 13, 2006

a força táctita das imperfeições



Escreveu Edmund Burke:


Corre outra opinião parente muito chegada da primeira, isto é, que a perfeição é a causa constitutiva da beleza; e isto foi pensado para ir muito à frente dos objectos sensíveis. Mas, nestes, a perfeição considerada em si mesma está tão longe de ser a causa da beleza que, precisamente onde a beleza se encontra no mais alto grau, isto é, no sexo feminino, leva sempre consigo a ideia de fragilidade e de imperfeição. (...) Uma beleza aflita é a mais comovente: o rubor tem um poder pouco menor; e, em geral, a modéstia, que é uma confissão tácita de imperfeição, é considerada uma causa amável e certamente exalta as outras similares.


É òbvio que as defenições de Burke valem pela beleza da sua época - o rococó é a expansão desabrida de um vocabulário formal que se baseia na morfologia não apenas na beleza «superior e inquestionável da mulher», mas sobretudo na das suas partes genitais, expandidas como ornamento comichante (e a música da época, sobretudo a de Bach que tem o venerável peso do ascetismo luterano[oh de profundis!], também comicha e capricha no modo como se ornamenta na vibração dos trilos).


A outra artimanha da beleza é a sua «confissão tácita de imperfeição» a pretexto da assunção de uma inferioridade. Recordo-me das críticas de Schopenhauer às falsas modéstias - mas é menos o caracter supostamente mediocrizante da modéstia que o seu caracter dissimulante que fazem a sua força - porque tudo o que se revela de uma só vez gasta-se defenitivamente. A potência dissipa-se no acto e na visibilidade.
Uma confissão tácita torna a imperfeição forte, e a fraqueza, a «astenia» numa força temível, como o propôs de um certo modo S. Paulo, e de outro modo Nietszche. A fragilidade, a imperfeição, a ternura, etc. são pratos fortes de uma estética achinesada, porque, não sendo informes são ainda coisas tenras, não definitivas, e os chinocas gostam desse género de beleza (ah! o velho camarada Mao rodeado de virgens!). E o que se limita à sua defenição contenta-se com a morte, com a secagem, com o ressentimento, e com a rigídez.



Por isso o rocaille é uma arte húmida e lúbrica: o que do nosso ponto de vista é algo moralmente desejável, porque contribui para um acréscimo de forças e possibilidades. Precisamente o contrário da cruel beleza neo-clássica, virtuosamente exemplar, mas que é sobretudo uma estética de mausoléus do agrado de ditadores e tiranos, sejam revolucionários ou reaccionários. A arte neo-clássica é a que o estado burocrático adoptou. Não é difícil perceber porquê.

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